O Cristianismo é incompatível com a física quântica?
Há pouco tempo, publiquei neste blog um texto sobre os multiversos (ou Universos Paralelos), em que dizia que este era um dos assuntos quase obrigatórios dos questionamentos que as pessoas fazem nas sessões de perguntas e respostas das palestras que profiro sobre a existência de Deus. Pois bem, esse assunto vem sempre acompanhado de outro, que será o objeto do nosso bate-papo de hoje e que diz respeito, conforme você já deve estar sabendo pelo título deste post, à física quântica.
Para explicar de forma bem simples a física quântica (ou mecânica quântica, se preferir), vou pedir a você que imagine um jogo de basquete. Nesse esporte, há três tipos de cesta. Há a cesta de um ponto, a de dois pontos e a de três pontos, certo? Na medida em que as cestas são feitas, o placar vai aumentando, mas sempre de ponto em ponto, no mínimo. É verdade que se a cesta for da linha de três pontos, de uma só vez o placar aumentará três pontos. O que não é possível é que um jogador faça meio ponto, ou então 0,75 ponto, não é mesmo? Como o menor valor que o placar pode aumentar é de um ponto, podemos dizer que um ponto é o quantum da pontuação no basquete.
Mas como isso se aplica a física? Simples. Max Planck descobriu que, ao aquecer um material, a radiação que ele emite não cresce, digamos, de forma contínua. A radiação vai aumentando de pulo em pulo, vai aumentando como se fosse em pacotes de energia. A esses pacotes de energia, ele deu o nome de quantum.
Vimos o que quer dizer quantum, que obviamente dá origem ao termo “quântica”, mas você pode estar-se perguntando: sim, mas como isso virou física quântica? Bom, isso se deveu principalmente a outra pessoa: Niels Bohr.
O problema era que a forma como o átomo era entendido até então gerava muitos problemas na física. Ninguém sabia como os átomos se mantinham em atividade de forma tão estável, pois quando aplicávamos a teoria (em especial as equações de Maxwell) ao entendimento do mundo atômico, a teoria dizia que tal estabilidade não seria possível.
Bohr, então, teve a grande ideia. Já que nenhuma teoria que ele conhecia explicava adequadamente o funcionamento do átomo, ele pensou: que tal se nós aplicarmos o conceito quântico ao mundo atômico para ver o que acontece? De forma absolutamente impressionante, o conceito quântico aplicado ao mundo atômico começou produzir resultados que coincidiam com os obtidos pelos experimentos. Surgia, assim, o embrião do que chamamos de física quântica.
Vamos agora entrar na parte mais interessante da história: embora houvesse coincidência de resultados entre o que a nova teoria previa e o que se registrava na experiência, ninguém entendia por que o mundo atômico funcionava quanticamente; ou seja, ninguém entendia por que os elétrons ganhavam energia aos pacotes e não continuamente.
Para complicar a situação, Einstein reformulou o conceito de Newton de que a luz é partícula e disse que ela também funcionava em pacotes. Graças a isso, viu-se que, dependendo da experiência que nós fizéssemos, a luz funcionava ora como onda, ora como partícula. Como se não bastasse isso tudo, Broglie disse que esta característica da luz (ser onda ou partícula, dependendo da experiência) não é só dela, mas de todo o mundo atômico.
Isso é muito curioso, principalmente pelo fato de que onda e partícula são descrições que têm características que são contraditórias e, apesar disso, os mesmos elementos se comportavam de uma ou outra forma, a depender da experiência.
Não tendo como verdadeiramente compreender a realidade, a física simplesmente abriu mão da ideia de que, conhecendo todas as variáveis envolvidas, tudo pode ser determinado. A saída foi adotar uma visão probabilística das coisas. É neste contexto que Heisenberg cria o seu famoso Princípio da Incerteza. Este princípio diz que não é possível a gente determinar a posição e a velocidade (momentum, para ser mais técnico) de uma partícula subatômica ao mesmo tempo.
Pela primeira vez a incerteza ingressava na física não como a esperança de futura descoberta, mas como uma categoria científica. E as implicações foram muitas. Alguns, a exemplo do pessoal da escola de Copenhague, chegaram mesmo a dizer que a realidade somente tem certas características quando as medimos.
Para demonstrar o paradoxo do posicionamento da escola de Copenhague, Schrödinger cria um experimento hipotético em que um gato é fechado em uma caixa com um elemento radioativo que poderia ou não desencadear um processo que o mataria. Para os da Escola de Copenhague, aquele gato não estaria nem vivo nem morto até que verificássemos a experiência, o que é um pensamento absurdo.
Diante da enorme dificuldade de se entender o que a incerteza como elemento científico quer dizer exatamente sobre a realidade, alguns a atrelaram à causalidade, chegando ao ponto de negá-la. Diante disso, surgem colocações que tentam atacar a afirmativa de que Deus criou o mundo, de que Ele é a causa primeira de tudo o que existe.
A crítica mais corriqueira é a de que, como não há mais necessidade de causalidade, o universo não precisa de Deus para tê-lo criado. Assim como partículas subatômicas passam a existir aparentemente a partir do nada sem uma causa, o universo pode ter passado a existir a partir do nada sem uma causa.
Primeiramente, veja que as partículas que parecem passar a existir do nada no mundo subatômico não estavam exatamente no nada. Elas estavam em um campo de energia flutuante, que pode perfeitamente se transformar em certas partículas a depender da relação de causalidade que se estabelece naquele ambiente. É uma situação completamente diferente da que ocorreu na origem do universo, em que a própria física estabelece a criação a partir do nada (e não de energia existente).
Repetindo, a própria física estabelece que o universo foi criado a partir do nada, verdadeiramente. Partículas subatômicas passam a existir a partir de algo que já existe, que é a energia. O nada, conforme diria Aristóteles, é aquilo com que as pedras sonham. Energia é outra coisa bem diferente.
Em segundo lugar, é um grande erro afirmar que a física quântica extingue a necessidade de casualidade. Mesmo na física quântica, tudo o que vem a existir tem uma causa. Em outras palavras, a incerteza na física quântica não diz que se decretou o fim da causalidade, mas sim que pela ciência não temos como determinar exatamente qual foi a cadeia de causas do passado que fez com que um determinado elemento esteja em uma posição específica no presente.
O problema aqui não é com a causalidade, mas sim com o determinismo. Ou seja, com a ideia de que a ciência pode entender todas as relações de causalidade na natureza. A própria física quântica provou que a ciência é míope quando tentar entender o mundo na relação causa e efeito, o que não quer dizer que tudo o que venha a existir não tenha uma causa de sua existência.
Portanto, dizer que uma partícula surge a partir do nada e sem causa é um erro duplo: primeiro, porque a física quântica não nega a causalidade; segundo, porque ela não surge a partir do nada, mas sim de um ambiente de energia flutuante.
A física quântica, portanto, não é uma ameaça ao Cristianismo. Pelo contrário, ela até mostra que a ciência é incapaz de entender toda a relação causal que existe na realidade, embora não ataque a causalidade, o que abre margem ao entendimento de alguns conceitos cristãos.
Quero dizer, o princípio filosófico decorrente da física quântica inclusive nos ajuda a entender Deus e aponta para Ele. Veja que é exatamente o princípio que ocorre nos milagres, em que as relações de casualidades envolvidas no agir sobrenatural de Deus são incompreendidas pela ciência, mas, conforme a filosofia da física quântica indica, não podem ser negadas por ela. Ao físico quântico resta, em muitos casos, a compreensão da realidade por outro caminho: a fé.
Deus abençoe,
Tassos Lycurgo